quarta-feira, 9 de abril de 2008

Da câmera para o mundo. Ao vivo


SÃO PAULO - Entre os equipamentos, o pessoal envolvido e o aluguel do sinal de um satélite, uma emissora de TV não gasta menos de 25 000 reais para transmitir uma partida de futebol direto de um estádio.


Com um telefone celular moderno, um acesso à internet de alta velocidade (que pode ser a própria rede de telefonia celular), um ingresso de arquibancada e uma conta no serviço Qik, qualquer torcedor pode fazer o mesmo. A qualidade das duas transmissões, naturalmente, não se compara (mas quem escolher a TV do torcedor vai ficar livre do Galvão Bueno). A geração de vídeos ao vivo, com audiência mundial, está no bolso de qualquer pessoa. Uma conjunção de avanços tecnológicos permitiu a criação desses novos serviços. De um lado, as webcams ficaram mais baratas, e laptops e celulares passaram a ser vendidos com câmeras embutidas. De outro, houve uma difusão das conexões de banda larga, essenciais para transmitir vídeos. Com as ferramentas na mão dos internautas, só faltava juntar os pontos. Foi o que vários novos sites fizeram. De um ano para cá, quase uma dezena de serviços que são uma espécie de YouTube para transmissões ao vivo apareceu na web. Eles ainda são pequenos e, como muitas empresas iniciantes, liderados por jovens na faixa dos 20 ou 30 anos. Mas recentemente o Yahoo! entrou na onda. Em fevereiro, lançou a plataforma Yahoo! Live. O próprio YouTube deve ser o próximo. Steve Chen, um dos fundadores, anunciou que o site vai lançar sua ferramenta de vídeo ao vivo ainda neste ano. Em canais pessoais, fãs mostram shows de seus ídolos, professores dão aulas a distância e exibicionistas simplesmente ficam na frente da câmera. Não há qualidade? Pouco importa -- afinal de contas, muita gente dizia o mesmo em relação ao YouTube não faz tanto tempo assim. O que importa é que agora, como diz o belga Max Haot, fundador do site Mogulus, um dos pioneiros da nova onda, "todo mundo pode ter a própria emissora".


O americano Robert Scoble, que fez fama com seu blog ao tornar-se a voz não oficial da Microsoft, hoje é uma emissora de TV ambulante. Com um telefone celular Nokia e convites para as principais conferências de tecnologia do mundo, ele transmite ao vivo pelo Qik suas entrevistas com executivos do Vale do Silício. Quem está na audiência também pode participar, enviando perguntas por um chat. O ímpeto multimídia de Scoble ganhou tanta força que ele foi contratado pela revista Fast Company para exibir suas reportagens. Outro usuário célebre, pelo menos no mundo da tecnologia, é Kevin Rose, criador do site de compartilhamento de notícias Digg. No final de março, enquanto aguardava o embarque de um vôo para Amsterdã, Rose pediu uma cerveja no bar do aeroporto e transmitiu tudo ao vivo. Sem graça? É claro. Mas mais de 1 000 pessoas estavam conectadas a seu canal.


Foi justamente um desses usos mais frívolos que deu origem ao Justin.tv, um dos principais sites de vídeo ao vivo. No início do ano passado, o jovem americano Justin Kan teve a idéia de andar o tempo todo com uma câmera na cabeça -- literalmente, pois ela fica acoplada a seu boné. Kan passou a registrar tudo o que fazia. "A experiência fez sucesso e várias pessoas pediram para fazer o mesmo. Um tempo depois, abrimos o serviço para o público", diz Michael Seibel, presidente e um dos fundadores do Justin.tv. O site começou a operar com 2,2 milhões de dólares e hoje tem mais de 28 000 usuários. Por en quanto, pelo Justin.tv é possível transmitir apenas de computadores (que pode ser um laptop carregado numa mochila e conectado à internet por uma rede sem fio), enquanto sites como Qik e Kyte já permitem o envio de imagens direto do celular.


O CRESCIMENTO DESSES SITES tem sido vertiginoso, assim como o interesse dos investidores. O Ustream foi fundado por dois veteranos da Guerra do Iraque. Eles dizem que um dos motivos para a criação do serviço foi o descontentamento com os parcos 15 minutos que conseguiam para falar com a família por mês. "A gente tinha de decidir para quem ligar. Com o vídeo, uma pessoa fala com várias ao mesmo tempo", diz o co-fundador John Ham. Com o Ustream, os fundadores queriam criar uma nova maneira de aproximar amigos e parentes. Já houve casamentos e até partos transmitidos ao vivo pelo Ustream (protegidos com senha, diga-se). Rumores insistentes no Vale do Silício dão conta de que a Microsoft estaria disposta a pagar 50 milhões pelo site. A questão é que a maioria deles ainda não tem um modelo claro de receitas -- e o próprio YouTube só recentemente começou a exibir publicidade. O site Stickam deve lançar uma versão profissional que custará 20 dólares ao mês. "Um dos primeiros passos antes de iniciar um processo mais comercial é formar uma comunidade, o que é difícil", diz Steven Fruchter, presidente do Stickam, que conta com mais de 2 milhões de participantes registrados. Para Gerry Kaufhold, analista do instituto de pesquisas In-Stat, o verdadeiro modelo de negócios é crescer e conseguir um comprador: "Muitos desses sites estão esperando criar um burburinho na internet para ser vendidos".


Mesmo que o lado financeiro ainda esteja nebuloso, o impacto cultural da tecnologia deve ser imenso. Já se fala numa geração de lifecasters, ou aqueles que transmitem sua vida inteira pela web. A idéia não é nova, mas como o custo de transmissão sempre foi alto para esse tipo de tecnologia, os lifecasters sempre estiveram mais perto da arte do que da realidade cotidiana. Igualmente, o vídeo ao vivo pela web deve ter implicações importantes para a indústria de mídia. Alguns dos registros mais dramáticos dos atentados terroristas realizados em Londres, em julho de 2005, foram feitos por cidadãos que estavam nas proximidades dos locais atingidos. Num futuro próximo, notícias com impacto semelhante serão transmitidas ao vivo. De olho nesse dia, a agência de notícias Reuters implementou, em parceria com a Nokia, um projeto piloto no qual jornalistas usaram o telefone celular N95, um dos mais sofisticados à venda hoje, para realizar a cobertura de eventos como a campanha presidencial americana e o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Outro impacto importante deve acontecer na música. Muitos artistas hoje optam por entregar as gravações de graça pela internet como um instrumento de divulgação de suas apresentações ao vivo, mas agora existe a possibilidade real de qualquer pessoa da platéia transmitir o show ao vivo, pela internet. A revolução, desta vez, será televisionada.
Denise Dweck / Revista Exame

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